
30/09/2025
A arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari), espécie endêmica do norte da Bahia, quase foi extinta nos anos 1990. Graças a ações de conservação, sua população se expandiu para 2.500 indivíduos atualmente. A expansão das araras, porém, coincidiu com outra bem mais rápida, a da rede elétrica da região, que cresceu cerca de 30% de 2018 a 2023.
Como resultado, apenas entre janeiro e agosto de 2025, 35 araras foram encontradas mortas com sinais de eletroplessão, como se denomina a morte ou lesão acidental causada por energia elétrica.
Para mitigar o problema, um estudo apoiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) apontou os locais mais propícios para esse tipo de acidente nos municípios onde a espécie ocorre, 90% da população na região conhecida como Raso da Catarina. Entre outros fatores, o mapeamento levou em conta 78 eletroplessões relatadas de 2005 a 2022, a composição da malha elétrica da região e a área de atividade da espécie.
No trabalho, publicado no Journal of Applied Ecology, os autores apontam que mudanças em 10% dos postes com maior risco levariam a uma redução de cerca de 80% dos acidentes conhecidos.
"O principal objetivo é apontar áreas prioritárias para mitigação, onde podem ser feitas alterações nos postes e evitar novas mortes e potenciais interrupções no fornecimento de energia. Nossas estimativas apontam um bom custo-benefício tanto para a empresa fornecedora quanto para a conservação da espécie", afirma a brasileira radicada no Reino Unido Larissa Biasotto, "senior science officer" na BirdLife International e primeira autora do estudo.
Ainda no doutorado na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Biasotto conseguiu os dados de toda a rede elétrica nacional, fornecidos pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) por meio da Lei de Acesso à Informação. Sua ideia era entender as principais espécies de aves e biomas afetados pela rede elétrica.
Um dos primeiros resultados foi publicado em 2021. Aquele mapeamento já indicava a arara-azul-de-lear como uma das espécies prioritárias em relação ao risco de eletroplessão e desenvolvimento de medidas de mitigação.
Quando Biasotto publicou o artigo, o Cemave (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres), do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), e a pesquisadora Erica Pacífico estavam justamente observando um aumento significativo de eletroplessões da espécie em municípios como Canudos e Euclides da Cunha, na Bahia, onde Pacífico realiza suas pesquisas desde 2008.
Apenas pela contagem de carcaças recolhidas próximas aos postes de energia elétrica por moradores, eram mais de 70 aves mortas desde então.
"Este é um número conservador, porque não considera todas que podem ter morrido em áreas pouco habitadas ou cujas carcaças foram consumidas por cachorros ou aves carniceiras. Há estimativas de que, na caatinga, uma carcaça de animal dure no máximo três dias", explica Pacífico, coautora do trabalho, coordenadora do grupo Pesquisa e Conservação Arara-azul-de-lear e pesquisadora de pós-doutorado no IB-Unicamp (Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas).
O trabalho integra o projeto "Uso de novas ferramentas de biorrastreamento e analíticas para o estudo da ecologia do movimento e conservação de aves na caatinga", apoiado pela Fapesp e coordenado por Francisco Voeroes Dénes, professor do IB-USP (Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo).
O estudo tem ainda entre os autores Fernanda Paschotto, que realizou mestrado no IB-USP sobre a área de vida e seleção de hábitat da arara-azul-de-lear com bolsa da Fapesp.
Pacífico realiza o monitoramento contínuo da espécie desde 2008, catalogando ninhos e contando a população. Em 2017 passou a aplicar biologgers, coleiras que fornecem a localização por GPS, para coletar informações inéditas sobre o potencial de deslocamento diário de algumas das araras-azuis-de-lear e definir melhor sua área de atividade, composta em grande parte pelos locais de alimentação onde ocorre o licuri (Syagrus coronata).
Os frutos da palmeira são a principal fonte de alimento da arara-azul-de-lear. Não por acaso, áreas de ocorrência do licuri são onde ocorre a maior parte das eletroplessões relatadas.
"Uma das inovações do trabalho é que não usamos a área de distribuição da espécie como um todo, como se costuma fazer em mapeamentos do tipo, mas a área de atividade, onde a probabilidade de eletroplessão é maior. É nesses locais que elas passam a maior parte do dia, se alimentando, interagindo entre si e se empoleirando em postes e fios de média tensão. Por serem mais altos do que a vegetação nativa, esses pontos oferecem uma visão privilegiada do território", conta Biasotto.
Termine de ler esta matéria acessando a Folha de S. Paulo
Novos registros da onça-pintada no RJ mostram o felino se refrescando em rio
18/12/2025
Lupo inaugura loja construída com tijolos 100% de resíduos têxteis
18/12/2025
Zona Leste de SP ganha pontos para descarte de tintas e latas
18/12/2025
Nova Lei da Agricultura Urbana de Curitiba segue para sanção
18/12/2025
Através de felinos, projeto monitora ameaças ao pampa, bioma menos protegido do Brasil; veja fotos
18/12/2025
Comunidades tradicionais do Bico do Papagaio alertam para recuo dos rios Tocantins e Araguaia
18/12/2025
