
22/05/2025
O estudante de medicina veterinária Tiago (nome fictício), de 24 anos, sempre foi apaixonado por animais, especialmente os répteis. Em suas palavras, são "animais magníficos, fáceis de cuidar e não dão o trabalho de um cão ou um gato."
Tiago é um criador de diversos animais silvestres, como iguanas e serpentes, e eventualmente também participa do comércio desses bichos - prática que, por lei, é ilegal e pode levar a multa e até prisão.
Sob condição de anonimato e usando um celular com número do Paraguai, ele conversou com a BBC News Brasil e conta que está no que chama de "hobby" ao menos desde os 14 anos. "Já tive quati (mamífero da mesma família dos guaxinins), macaco, papagaio."
Sua inspiração veio de canais no Youtube, como o Jay Prehistoric Pets, americano que possui mais de 6 milhões de inscritos.
Dentre os vídeos mais populares do canal estão um que mostra filhotes de serpente, com mais de 30 milhões de visualizações, e outro com uma tartaruga de 104 anos de idade, com 43 milhões de acessos.
Apesar da inspiração, a reportagem não identificou processos contra o canal americano relacionados aos animais exibidos.
"Via no YouTube os gringos criando e sempre queria. Assistia muito e acompanho até hoje", conta Tiago.
O estudante é parte de um fenômeno que foi destacado em uma pesquisa finalizada neste mês pela Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), e obtida pela BBC News Brasil: a participação frequente de jovens de até 30 anos, inclusive adolescentes, no comércio online ilegal de animais silvestres.
A organização analisou cerca de 3 mil mensagens com anúncios no Whatsapp de grupos de comércio de animais silvestres e conseguiu perfilar parte de seus vendedores.
São pessoas que não necessariamente lucram com este comércio nem o gerenciam - Tiago conta que trabalha em outra área e que o dinheiro que ganha com vendas acaba sendo usado para comprar outros bichos.
Funciona como um hobby, em suas próprias palavras.
"Eu me considero um ´hobbysta´. Por mais que sejam animais ilegais, eu trabalho e tenho meu serviço, não dependo mais da venda de animais. Tenho meus animais para aproveitar, apreciar o animal e entender mais sobre ele, qual temperatura ele necessita, umidade."
O comércio é feito principalmente pela plataforma Whatsapp, onde há diversos grupos clandestinos para o comércio e troca de informações, segundo o estudo da Renctas.
As negociações são feitas na base da confiança - para conquistá-la, é preciso ser indicado por alguém que está no meio. Tiago diz que administra ao menos 20 grupos do tipo, que somam cerca de 1 mil membros. "Grande parte é de curiosos. Não são pessoas que compram ou vendem."
Ele acredita que há hoje, por consequência das redes sociais, mais jovens neste mercado ilegal. "É um serviço fácil. Muitos podem até gostar dos animais, mas pensam que vão enriquecer com isso."
Tiago diz que terá de deixar o "hobby" ilegal em algum momento, principalmente depois de formado.
"Estou saindo do ilegal aos poucos. Pegando animais que tenho e passando. Sei que estou cometendo crime, mas meu negócio nunca foi tirar animal da natureza e revender ou comprar. Todos os animais que tenho ilegais foram reproduzidos em cativeiro. Por mais que eu saiba que é errado, não sou a favor de tirar animais da natureza."
A análise da Renctas mostra que existe "um nível de organização e cautela" por parte dos contrabandistas.
Os vendedores usam pseudônimos, como Sonic ou Alemão, chips de celular digitais (e-sim) com números do exterior e VPN - tecnologia que permite navegação online de forma segura e privada, o que pode dificultar investigações.
A organização conseguiu rastrear perfis no Facebook de parte desses comerciantes e entrevistou alguns deles. Então, para aqueles possíveis de serem identificados, analisou seus perfis, como idade, gênero e região geográfica.
A faixa etária predominante tinha entre 21 e 30 anos (254 anúncios), seguida por 11 a 20 anos (246 anúncios).
A pesquisa identificou até mesmo anúncios de vendas feitos por crianças e adolescentes. Trata-se de uma página de rede social em que era anunciada a compra e venda de geckos (um tipo de réptil que lembra um tipo de lagartixa).
Em alguns anúncios é possível ver que os vendedores criam uma espécie de identidade online, com apelidos relacionados a personagens de filmes (ex: Coringa) ou animes (ex: Berserk).
A predominância de jovens encontrada nesses grupos tem a ver, segundo a organização, com a familiaridade com o uso de redes sociais, aplicativos de mensagens e plataformas de e-commerce, diz a organização.
"Essa faixa etária cresceu em meio à cultura digital e sabe como operar com discrição, utilizando mecanismos como perfis falsos, linguagens cifradas e redes criptografadas", diz o relatório.
Uma das formas de viabilizar essas negociações ilegais tem sido por meio de um esquema que usa sites de e-commerce, como o Mercado Livre.
Neste modelo o vendedor do animal silvestre anuncia um objeto qualquer, como um tênis ou uma bolsa, e alerta o comprador nos grupos para usar aquele link para efetuar o pagamento.
O comprador confirma a aquisição pelo site, já sabendo que o que receberá, na verdade, é o bicho. Esse formato permite até mesmo que o comprador parcele o animal pelo cartão de crédito, por exemplo.
"Esse tipo de operação representa um desafio maior para as autoridades e para as próprias empresas de e-commerce, que nem sempre têm ferramentas eficazes para rastrear o uso criminoso de seus serviços. Como o anúncio em si não menciona animais e os pagamento são processados de forma legítima, a transação não levanta alertas automáticos", diz a Renctas.
Em nota, o Mercado Livre afirmou que, conforme prevê em seu termo de condições e uso, é proibida a comercialização e/ou solicitação de animais silvestres na sua plataforma e que "repudia qualquer uso indevido da plataforma que viola diretamente" essas políticas.
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