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Derretimento de geleiras nos Andes contamina e torna vermelha a água de rios

03/12/2024

Dionisia Moreno, uma agricultora indígena de 70 anos, ainda se lembra de quando o rio Shallap, a quase 4.000 metros de altitude na Cordilheira Branca, trazia água cristalina repleta de trutas para sua aldeia, Jancu. "Pessoas e animais podiam beber a água sem sofrer", diz Moreno. "Agora a água está vermelha. Ninguém pode bebê-la".
À primeira vista, o rio parece uma vítima da poluição da mineração; o Peru é um grande produtor de cobre, prata e ouro, e as águas próximas a minas abandonadas frequentemente correm em tons de ferrugem. Mas a culpada é a mudança climática. A Cordilheira Branca abriga a maior concentração de geleiras tropicais do mundo, que são particularmente sensíveis ao aumento das temperaturas e uma importante fonte de água doce no Peru.
Por milhares de anos, as geleiras eram reabastecidas com gelo no inverno. Mas elas encolheram mais de 40% desde 1968, revelando rochas que, quando expostas aos elementos, podem desencadear reações químicas que lixiviam metais tóxicos na água e a tornam ácida.
O processo, conhecido como drenagem ácida de rochas, cria uma reação em cascata que polui as fontes de água, explica Raúl Loayza, biólogo da Universidade Cayetano Heredia que estuda a qualidade da água nos Andes. "É um grande problema e está piorando", afirma.
O degelo acima do lago Shallap, nas nascentes do rio Shallap, expôs mais de 150 hectares da Formação Chicama, rica em pirita, um sulfeto de ferro. À medida que a água do degelo escorre pelas rochas, a pirita se transforma em hidróxido de ferro e ácido sulfúrico, um químico corrosivo que libera metais pesados da rocha na água do degelo, afirma Loayza.
A água pura tem um pH neutro de 7; o lago Shallap agora tem um pH inferior a 4, quase tão ácido quanto o vinagre. Também contém chumbo, manganês, ferro e zinco em níveis que ultrapassam os padrões de qualidade ambiental, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisa de Geleiras e Ecossistemas de Montanha do Peru, ou Inaigem.
As autoridades de saúde declararam o rio Shallap e vários outros riachos acidificados como impróprios para consumo humano. Mas a maioria das aldeias continua a usá-lo para as lavouras, mesmo que não atenda aos padrões de qualidade da água para a agricultura. Os agricultores dizem que usar essa água na irrigação pode fazer com que algumas plantas murchem.
A drenagem ácida de rochas pode degradar ecossistemas e corroer infraestruturas. Juan Celestino, 75, marido de Moreno, disse que quando as trutas desapareceram pela primeira vez do rio Shallap, os moradores pensaram o rio tinha sido contaminado por algum agente poluidor externo. "Não pensamos que era o próprio rio", diz ele. "O que podemos fazer? Quem pode nos ajudar?"
Para identificar pontos críticos, Loayza e outros cientistas usaram imagens de satélite para analisar o espectro da luz solar refletida pelos lagos glaciais. Seu modelo identificou 60 lagos na Cordilheira Branca que são altamente ácidos.
O Inaigem confirmou a drenagem ácida de rochas em cinco dos oito desfiladeiros glaciais que testou até agora. "Há áreas que sabemos que estão muito afetadas e outras onde o processo está apenas começando", afirma Yeidy Montano, cientista do instituto.
As águas de degelo são mais acidificadas e mais carregadas de metais pesados em áreas de maior altitude dos Andes, onde as geleiras estão derretendo. Aldeias indígenas nessas regiões são as mais vulneráveis e, sendo pequenas, tendem a não ter influência com as autoridades que poderiam ajudar a garantir acesso a alternativas mais limpas.

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