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Mineração de lítio adoece comunidades do Vale do Jequitinhonha

12/11/2024

É madrugada, e o movimento não para nas minas de lítio do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. O barulho de centenas de máquinas remexendo o solo ecoa pelas montanhas e acaba com o sossego das comunidades tradicionais da região.
O relógio marca 3h30 quando uma fila de caminhões se forma no alto de uma colina. Com ajuda de tratores, toneladas de pedras são despejadas morro abaixo. O estrondo se mistura ao ruído dos motores e alcança as 70 casas do povoado de Piauí Poço Dantas, em Itinga (MG), estabelecido há 150 anos nas margens do riacho Piauí, um afluente do rio Jequitinhonha.
A colina, na verdade, é a Pilha 5 de estéril —conjunto de materiais não aproveitáveis— da maior mina de lítio do Brasil. Com 20 metros de altura e 560 mil m2, sua área cresceu quatro vezes nos últimos 11 meses e já está a poucos metros do riacho e das casas do povoado. Se forem mantidos os planos de expansão da mineradora Sigma Lithium, dona da operação, a situação pode se agravar ainda mais.
Com uma produção atual de 270 mil toneladas anuais de concentrado de lítio, a mineradora acaba de receber um financiamento de R$ 500 milhões do Fundo Clima para dobrar sua capacidade. O financiamento foi aprovado após uma análise do projeto e das licenças obtidas pela Sigma junto aos órgãos ambientais, diz o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), gestor do fundo criado para financiar medidas de combate às mudanças climáticas.
Para alcançar 540 mil toneladas anuais a partir de 2025, a área de empilhamento prevista no projeto inicial da empresa precisou ser quintuplicada. Os 400 mil m2 licenciados em 2019 saltaram para 2 milhões de m2 na última licença de operação, publicada em janeiro pela Semad (Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais) após parecer favorável da Feam (Fundação Estadual do Meio Ambiente).
O apressado crescimento da Sigma é ditado pela alta demanda do metal no mercado internacional, especialmente para a fabricação de veículos elétricos na China, Japão, Europa e Estados Unidos, e já faz outras mineradoras entrarem na disputa pela extração de lítio na região.
Enquanto a Sigma opera a todo vapor para compensar a brusca queda no preço do lítio (quase 90% em relação a 2022), a americana Atlas está em vias de obter a licença de operação em Araçuaí, também no Vale do Jequitinhonha; a australiana Pilbara Minerals anunciou a intenção de comprar direitos minerários em Salinas por R$ 1,95 bilhão; e a CBL (Companhia Brasileiro de Lítio), que explora uma antiga mina subterrânea vizinha à Sigma, planeja triplicar sua produção.
O avanço das mineradoras é sentido todos os dias pelos lavradores Edvaldo Pereira Santos, 63, e Angela Marques Santos, 60, nascidos e criados na comunidade tradicional de Piauí Poço Dantas. Assim como os outros moradores daquele povoado, o casal não dorme direito, tem problemas respiratórios e se revolta ao ver o paredão de pedregulhos da Sigma se aproximar cada vez mais do quintal de sua casa.
Às 6h, após mais uma noite barulhenta, Edvaldo e Angela já estão de pé. "Antigamente era um sossego. A gente ouvia os passarinhos, bebia água do riacho, as crianças não ficavam doentes. Depois que chegou essa empresa, ficou assim, ninguém consegue dormir, as crianças vivem tossindo, não têm paz", diz a mulher ao acender a lenha no fogão de barro, que fica nos fundos da casa, frente a frente com a pilha de estéril.
Em Piauí Poço Dantas não tem água encanada, e Angela prepara o café com a água distribuída pela Sigma. A empresa cedeu caixas d’água para todos do povoado e as abastece uma vez por mês, com caminhões-pipa. "Falaram para a gente não beber mais a água do riacho", comenta Edvaldo enquanto os três netos chegam com Evandro, seu filho, que também é lavrador.
Evandro desliza os dedos na mesa para mostrar a poeira que se formou desde a noite anterior. "Esse pó fino de malacacheta [mineral] vai matando a gente por dentro, é a silicose", diz o lavrador de 35 anos ao lembrar da doença ocupacional que compromete os pulmões de operários da mineração —e que não tem cura. "Minha mulher acabou de sair de uma pneumonia e nossos três meninos desenvolveram asma; não saram desde que essa poeira começou."
Procurada pela reportagem, a Sigma disse que a posição das pilhas de estéril faz parte de um plano de "práticas sustentáveis de fechamento de mina". "Estas pilhas precisam ser colocadas ao lado da cava, para que no momento do encerramento da atividade de mineração, esse material seja depositado de onde foi extraído. Dessa forma, o terreno retorna para sua aparência original após o fechamento da mina", afirmou a empresa em 11 de setembro.
"A Sigma Lithium é a única empresa integrada de lítio do mundo que desenvolveu tecnologias verdes para industrializar seu produto empilhando os rejeitos a seco. Esses rejeitos são reciclados para recapeamento de estradas rurais, reprocessados na fábrica industrial de lítio da Sigma e vendidos."
A companhia também enviou à reportagem um folheto sobre práticas de inovação e sustentabilidade social, no qual lista iniciativas tomadas para beneficiar a população. Entre elas, a prioridade pela contratação de mão de obra local e programas de educação, de crédito para mulheres, de distribuição de água potável e de combate à seca e à fome.

Conclua a leitura desta reportagem acessando a Folha de S. Paulo

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