12/08/2024
A bioeconomia tem chamado cada vez mais a atenção de mercados que buscam se adequar para um modelo de negócio sustentável e coerente, levando em conta as demandas de recursos naturais, práticas de justiça social e bem-estar para as sociedades. Mas, na visão de muitos pensadores indígenas, o que hoje se chama bioeconomia são práticas culturais milenares de povos originários, que tem, a partir de seus modos de vida, relações intrínsecas com a natureza.
Precisamos urgentemente de relações de observação e respeito ao meio ambiente, para mudar os rumos de uma economia exploratória que tem levado o planeta ao colapso climático. Atualmente, as grandes inovações nos mercados se dão justamente por meio de parcerias com produtores tradicionais, que manejam e extraem diversos produtos, enquanto conservam as Áreas Protegidas, fazendo a vigilância dos territórios e prestando serviços socioambientais de impacto global.
Para que essas relações aconteçam e impactem de fato os modelos de negócios com uma transição em escala para economia sustentável, é necessário escutar e aprender com os povos indígenas. A economia indígena é indissociável das rotinas e culturas que acontecem nas aldeias. Um grande problema, que entrava o reconhecimento da qualidade dos trabalhos indígenas, é a invisibilidade de seus povos.
“Quando você fala de trabalho indígena, vai encontrar vários níveis de invisibilidade. A gente faz trabalho nas comunidades, de construção, de casa, de fabricação de beiju, farinha, tapioca, trabalho de construir roça, plantar, colher, todo o processamento de mandioca, de caça, de pesca, tudo isso é invisível. E por ser invisível, as pessoas que vivem de contrato acham que a gente não faz nada e acham que a gente é preguiçoso, que não contribui com nada… No caso da economia indígena propriamente dita, é sobre segurança alimentar, recurso pesqueiro, de fauna e flora, sistema agrícola tradicional, tudo isso é economia indígena.”, relata André Fernando Baniwa, liderança Baniwa, atual Coordenador-Geral de Promoção a Cidadania, no Departamento de Promoção da Política Indigenista, órgão ligado à Secretaria Nacional de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas, e Vice-Presidente da OIBI, organização comunitária membro da rede Origens Brasil.
Cada povo e comunidade indígena tem sua maneira de praticar economia. No Brasil, contamos com a diversidade de 305 etnias, falantes de mais de 270 línguas. Isso quer dizer que há muita pluralidade de pensamento e conhecimento. Setenta e sete etnias indígenas da Amazônia fazem parte da rede Origens Brasil, e como produtores da sociobioeconomia, representam 65% dos produtores cadastrados. Em torno de 60 mulheres Paiter Suruí fazem parte desse grupo, organizadas na cooperativa Coopaiter, confeccionam artesanatos e, com apoio da organização não governamental, Iniciativa Comunidades e Governança Territorial da Forest Trends, alcançam mercados éticos para venda de seus produtos.
Lana Paiter Suruí é representante das artesãs da Coopaiter. Ela conta que “confecciona artesanato aqui, cada um faz uma coisa, outra faz anel, outras fazem colar, outras fazem cesto, outros fazem balaio, panela de barro. Então cada um tem o seu processo. Mas tudo vem da natureza. Isso que é importante. Por exemplo, quando minha avó ia buscar os insumos do cesto, ela não pegava qualquer folha para tirar. Ela olhava, via a que dava certo e tirava, não é assim só pegar, porque tira a rotina da folha e estraga. Então tem que saber lidar com aquilo que a natureza oferece e que a gente pega da natureza. A gente não pode invadir, antecipar a natureza. O que a natureza oferece tá lá prontinho a gente pega, se não deixa lá quieto. Tudo isso tem um trabalho de muita importância, que vem passando de geração em geração para nós.”
Essencialmente, a economia indígena, em suas diversas expressões, se sustenta há muitas gerações por conta de suas tecnologias sociais e ambientais. Com base em modos de vida organizados, cada interação social e com o meio ambiente leva ao fortalecimento de saberes e inteligências que funcionam como soluções para o bem estar de cada pessoa, da comunidade e da floresta. Porém, o problema de invisibilidade, trazido por André Baniwa, é uma questão que afeta a inserção de produtores indígenas nos mercados.
André Baniwa explica que “a visibilidade no Estado Nacional é através de e por meio de nota fiscal. Aí está o primeiro nível de invisibilidade. Como eu sempre brinco, tucunaré, paca, os parentes desses animais não vão emitir nota fiscal. A floresta não vai emitir nota fiscal, os peixes que eu estou tirando do lago, o lago, o buritizeiro não dá nota fiscal. Eu estou falando isso para chamar atenção nos últimos tempos, onde levo essa questão? Só que a gente trabalha todos os dias.”
As comunidades estão buscando o fortalecimento de suas capacidades para adequarem seus produtos às exigências de qualidade do mercado e estão estruturando as cadeias de produção, com apoios das instituições. Na Amazônia, as artesãs indígenas do Tupi Guaporé, localizadas nos estados de Rondônia e Mato Grosso, incluindo as artesãs de Coopaiter, lançaram um catálogo para dar visibilidade aos seus trabalhos, são dezenas de opções de biojoias, produtos de tecelagem, fibras naturais, cerâmicas, que apresentam a cultura de seus povos e os serviços socioambientais decorrentes de seus modos de vida.
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