
27/05/2025
Uma capelinha em Minas Gerais guarda hoje um importante símbolo de fé do papa Francisco. Em 2019, ele fez chegar à igreja no Córrego do Feijão sua cruz peitoral, um parrudo crucifixo em prata oxidada.
Essa comunidade foi um dos pontos mais devastados pela ruptura de uma barragem administrada pela Vale em Brumadinho. Um ano depois, o pontífice rezou "pelos 272 irmãos e irmãs soterrados" no desastre ambiental, um dos piores de todos os tempos no Brasil.
A preocupação com o meio ambiente não foi acessória em seu pontificado. Neste sábado (24) completam-se dez anos da "Laudato Si’", a primeira encíclica papal dedicada exclusivamente a essa causa.
A carta escrita por Francisco fala da "casa comum" onde "crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la". Reconhece então a mudança climática como "um problema global com graves implicações ambientais, sociais, econômicas, distributivas e políticas". Diz que cabe à Igreja "não só lembrar o dever de cuidar da natureza, mas também e sobretudo proteger o homem da destruição de si mesmo".
Encíclica é uma carta oficial dos papas sobre temas centrais para o Vaticano. O pontífice morto em abril publicou quatro dessas. Outra importante foi a "Fratelli Tutti", de 2020, em que denuncia injustiças de um "modelo econômico fundado no lucro" e pede "acolhimento dos imigrantes" —ainda encontra uma brecha para citar "Samba da Bênção", quando Vinicius de Moraes nos lembra que "a vida é arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida".
"Laudato Si’", em português, pode ser traduzido como "louvado sejas". Traz uma "mensagem universal dirigida a múltiplos interlocutores, das religiões, da política, da ciência, dos governos, da sociedade civil em geral", que Francisco legou para a humanidade, diz Eduardo Scorsatto, coordenador de campanhas do Movimento Laudato Si’ para o Brasil.
Seu eixo, a ecologia integral, tem por norte a compreensão de que "não há duas crises separadas, uma ambiental e outra social, mas uma única e complexa crise socioambiental".
Francisco estava atento à dimensão humana da tragédia ecológica, diz o frei Rodrigo Péret, da Comissão Especial para Ecologia Integral e Mineração, ligada à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Tanto que ele recebeu na Santa Sé um sobrevivente de Brumadinho que, por sinal, nem católico é.
O evangélico Dari Pereira, um agricultor da região, almoçava quando escutou um estrondo. Logo entendeu do que se tratava e correu para socorrer uma sobrinha, paralisada enquanto uma massa de lama de sete metros de altura avançava sobre a casa, relata Péret.
Uma cena que, segundo o frade, ilustra bem as palavras de Francisco: um apocalipse ambiental vai ferir a "casa comum" de todos nós, e os mais pobres estão mais vulneráveis a ele. Ou mudamos agora, ou nosso futuro já era. "Não dá para continuar com o mesmo padrão de consumo, cada família com um automóvel. Rediscutir nossa forma de viver no planeta é fundamental."
O clero, diz, tem um papel que vai além do retórico. "Temos uma capilaridade forte nos territórios. As comunidades afetadas nos procuram."
Francisco sempre fazia "essa relação de que quem mais vai sofrer no futuro com as mudanças climáticas são os pobres", disse à Folha dom Leonardo Steiner, arcebispo de Manaus, logo após a morte do primeiro papa do hemisfério sul.
Ter um documento oficial assinado pela autoridade maior da Igreja "aumenta uma gramática moral ecorreligiosa", afirma Renan William dos Santos, pesquisador da Uerj no campo de religião e ambientalismo.
Francisco pode tê-la posto para girar numa velocidade inédita, mas não inventou a roda. O repertório ambiental na Igreja ganhou corpo na década de 1970. "O pensamento ecológico católico almejou, desde esse início, estabelecer uma via intermediária: nem o racionalismo tecnocrático (capitalista ou socialista) alheio ao sagrado e à moral cristã, nem o esoterismo que sacraliza a natureza de modo ‘herético’."
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