
06/02/2025
Nos últimos vinte anos, estudos arqueológicos vêm contribuindo para descortinar, um pouco mais, o passado ainda não revelado da Amazônia antiga e seus habitantes. Uma dessas culturas, a Casarabe, viveu entre 500 e 1400 da Era Comum (E.C.) na região do sudoeste amazônico, mais precisamente em Llanos de Moxos, no departamento de Beni, Bolívia. Ocupando cerca de 4.500 quilômetros quadrados, os Casarabe modificaram cuidadosamente a geografia do local com ações de terraplenagem e um complexo assentamento que gerou centenas de montes monumentais – estruturas formadas por plataformas retangulares compostas de quatro camadas e pirâmides cônicas que chegavam a 22 metros de altura.
“Esses sítios são conhecidos desde o século passado, mas começaram a ser escavados mais sistematicamente no final dos anos 1990 por um grupo de alemães e bolivianos. A gente sabe sua cronologia, qual tipo de cerâmica eles produziram, mas uma coisa que não estava clara ainda era o que eles comiam, qual era o padrão de dieta”, conta Eduardo Góes Neves, arqueólogo e diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP.
Ele integra um grupo de pesquisadores que acaba de confirmar a produção intensiva do milho no local, além de um sofisticado sistema de engenharia paisagística para fazer a drenagem da água na cultura do grão em savanas tropicais. O trabalho foi descrito em um artigo publicado em janeiro na revista Nature.
O estudo combinou o uso do LiDAR, uma tecnologia de sensoriamento remoto que usa feixes de laser para identificar locais potenciais para escavação, com um programa de perfuração de poços para coleta de sedimentos, datação por radiocarbono e análises de grãos de pólen e fitólitos – estruturas minerais microscópicas feitas de sílica encontradas em tecidos vegetais e que se preservam mesmo após a decomposição da planta.
De acordo com o artigo, o sistema criado pelos Casarabe permitia que algumas áreas úmidas de Savana fossem convertidas em campos drenados adequados para monocultura de milho na estação chuvosa. “Se você for lá agora, vai ver que está tudo alagado”, diz Neves ao Jornal da USP. “Como todo ano oscila, não era possível prever a precipitação, então essa estratégia permitia ‘amortecer’ a variação sazonal muito drástica”.
Já a construção de conjuntos de lagoas agrícolas fornecia um reservatório de água para irrigação em tanques, o que possibilitou a continuação da agricultura de milho durante a estação seca, com até duas colheitas por ano.
“A Savana é drenada muito lentamente no final da estação chuvosa, então as pessoas escavaram canais de drenagem para acelerar esse processo. Mas, quando a estação seca começa, a maior restrição à agricultura se torna a falta de água, então eles escavaram os lagos, que retêm água e permitem que a agricultura continue durante as estações secas também”, completa Umberto Lombardo, geomorfólogo da Universitat Autònoma de Barcelona, na Espanha, e primeiro autor do artigo.
Lombardo afirma que o cultivo intensivo do milho provavelmente permitiu que a população crescesse. “Podemos assumir com segurança que a densidade populacional da cultura Casarabe era maior do que qualquer outra cultura na Amazônia, talvez exceto o Vale do Upano, no Equador, e o Marajó, no Brasil”.
A hipótese que se coloca é que a alta disponibilidade de proteína a partir do plantio do milho combinado com outras sementes, como a abóbora e o feijão, está associada à emergência de sociedades hierarquizadas. No entanto, o grupo não encontrou a presença de outros cultivos além do milho.
“Eu sempre defendi a ideia da policultura na Amazônia. Esses dados, de certo modo, contradizem um pouco as minhas hipóteses e mostram que, ali na Bolívia, tem uma correlação muito forte entre a emergência desse padrão de arquitetura monumental e o cultivo do milho”, diz Neves.
Revolução verde antes de Colombo
O tipo de sistema agrícola necessário para sustentar a cultura Casarabe em seus quase mil anos de existência ainda era desconhecido, mas o artigo destaca que a construção de canais de drenagem permitiu o cultivo de sedimentos férteis das savanas sazonalmente inundadas na região dos montes monumentais da Amazônia boliviana, sem a necessidade de desmatamento da porção florestal.
Os pesquisadores não encontraram qualquer evidência de cultivo e fogo nas áreas florestais próximas aos montes monumentais, sugerindo que a agricultura de corte e queima não foi praticada pelos Casarabe. “Em vez disso, essa cultura pré-colombiana provavelmente preservou o recurso florestal espacialmente limitado e, portanto, altamente valioso para outros serviços ecossistêmicos importantes, como lenha, materiais de construção, plantas medicinais e provavelmente agrofloresta”, destacam no artigo.
A matéria na íntegra pode ser lida no CicloVivo
Novos registros da onça-pintada no RJ mostram o felino se refrescando em rio
18/12/2025
Lupo inaugura loja construída com tijolos 100% de resíduos têxteis
18/12/2025
Zona Leste de SP ganha pontos para descarte de tintas e latas
18/12/2025
Nova Lei da Agricultura Urbana de Curitiba segue para sanção
18/12/2025
Através de felinos, projeto monitora ameaças ao pampa, bioma menos protegido do Brasil; veja fotos
18/12/2025
Comunidades tradicionais do Bico do Papagaio alertam para recuo dos rios Tocantins e Araguaia
18/12/2025
