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É possível conciliar proteção ao mar com mineração, diz brasileira candidata a liderar tema na ONU

01/08/2024

Com quase duas décadas de experiência no setor regulatório no Brasil e há cinco anos atuando no Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), a oceanógrafa Leticia Carvalho é candidata ao posto de secretária-geral da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA, na sigla em inglês), entidade responsável pelas regras da controversa mineração em alto-mar.
Leticia Carvalho, 50, concorre contra o atual líder da organização, o britânico Michael Lodge, que tenta seu terceiro mandato. Há muito tempo criticado por ambientalistas por sua proximidade com as mineradoras, o adversário da brasileira —que é apoiado no pleito por Kiribati, não pelo Reino Unido— enfrenta agora também questionamentos sobre o uso de recursos da entidade.
Em entrevista à Folha a partir de Kingston, na Jamaica, onde acontece a eleição na próxima sexta-feira (2), a candidata se disse confiante na vitória e defendeu a necessidade de trazer mudanças à organização que, segundo ela, "passa por uma crise de governança".
A oceanógrafa afirma que é possível conciliar o desenvolvimento de um código de mineração em alto-mar e a proteção do meio ambiente, mas reconhece que inevitavelmente "haverá sacrifícios".
Um dos principais objetos da ISA, a mineração em alto—mar —que ainda não existe comercialmente, apenas através de licenças exploratórias de pesquisa— é criticada por ambientalistas, que apontam a possibilidade de danos irreversíveis aos ecossistemas. A demanda de componentes para bateria de carros elétricos, no entanto, tornou esse tipo de extrativismo atraente para segmentos da indústria.
Para Leticia Carvalho, o fracasso no estabelecimento de regras por parte da ISA pode encorajar países a avançarem por conta própria, e sem as devidas salvaguardas ambientais, dentro do território de suas águas jurisdicionais.
Se for eleita, a brasileira pode se tornar a primeira mulher a liderar a entidade. A candidatura brasileira foi elogiada, entre outras entidades, pela Liga das Mulheres pelo Oceano, que reúne mais de 2.500 mulheres ligadas à conservação marinha no Brasil e no mundo, em uma carta também assinada pelo Greenpeace Brasil, Oceana, WWF-Brasil e Painel Mar.

🎤​ Por que a senhora decidiu se candidatar à liderança da ISA?
Eu comecei minha carreira como cientista, mas migrei para a área de políticas públicas e passei a trabalhar com orgulho na tradução do conhecimento científico em medidas regulatórias que tenham o objetivo de estabelecer o uso sustentável e eficiente de recursos.
Coincidentemente, eu tive um envolvimento muito grande, durante a minha carreira no Brasil, com a regulação das atividades de exploração e explotação de óleo e gás nas bacias sedimentares marítimas.
Acho que tudo me traz à ISA, que passa por uma crise de governança. É uma organização considerada obscura para muitos, mesmo opaca de uma certa forma. E eu trago também a minha experiência na ONU, como diplomata internacional, como secretária-executiva de vários processos de negociação.

🎤​ Quais são as suas principais propostas para esta organização que, nas suas próprias palavras, passa por uma crise de governança e, em muitos sentidos, também de imagem?
Eu trago para três propostas principais: mais transparência e responsabilidade; construção de capacidades para que os países possam participar em condições de igualdade; e incorporação de mais ciência [nos processos da ISA], para além daquela que simplesmente é produzida nos contratos [pelas empresas interessadas].
Com certeza absoluta, temos de trazer um elemento de transparência e de "accountability" na gestão. Eu participei agora de uma reunião onde o comitê de finanças [da ISA] estava apresentando seu relatório. Diversos países levantaram suas bandeiras dizendo que não viam clareza na alocação de gastos e de custos, pedindo explicações sobre aspectos de gestão interna, sobre extinção e criação de cargos que eventualmente não tenham passado pela tomada de decisão do Conselho da Assembleia. Eu buscarei aproximar muito mais a ISA das boas práticas e regras da ONU em relação ao uso de recursos públicos.
Também precisamos mobilizar recursos para garantir que a participação dos países não seja apenas física. Os delegados chegam com uma enorme assimetria de conhecimento. Principalmente entre aqueles que têm contratos e estão à frente do processo de mineração.
Quero ainda trabalhar para que o código de mineração possa incorporar os elementos científicos mais recentes, inclusive produzidos pela própria estrutura da ISA, a partir dos dados que são obrigatoriamente produzidos pelos contratantes [da pesquisa de mineração].

🎤​ Como a senhora pretende incorporar mais ciência a essas processos?
Eu teria uma visão muito mais aberta, muito mais encorajadora para o uso e o acesso aos dados [produzidos pelas empresas] para a transformação disso em conhecimento. E também para incorporação dessas informações a fontes independência.
Essa pesquisa é tão difícil, tão custosa e tão especializada, que não é possível que não tenhamos capacidade de dialogar cientificamente. Eu acho que toda a discussão dentro da ISA e todo o debate sobre a mineração enriqueceria muito se houvesse um esforço do secretariado em considerar esses dados adicionais.
Eu vejo que há na atual gestão um apartamento, uma dificuldade muito grande em recepcionar a informação que não vem dos contratantes.

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